O cinema de Ingmar Bergman

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Quando falamos sobre as obras do cineasta sueco Ingmar Bergman e sua linguagem de maneira geral, podemos apontar dois tipos de cinéfilos: aqueles que gostam de seu trabalho – seja em um nível elevado ou mediano – e aqueles que ainda não o conhecem significativamente. Mesmo porque, é difícil encontrar alguém que conheça seu trabalho e não se sinta afetado de alguma forma, sobretudo, positivamente. Parece exagero afirmar tal coisa, mas não há como negar a genialidade do que hoje consideramos um dos cineastas mais reverenciados da história do cinema.

Apesar de ser bem conhecido entre os amantes da sétima arte, pouco se fala sobre o seu trabalho fora desse universo, até mesmo em lugares mais intelectualizados, como dentro das universidades. Muitas vezes se fala de cinema, mas não se fala de Bergman. O pesquisador e professor Sergio Rizzo, durante uma mostra dos filmes de Ingmar Bergman, em 2012, no CCBB em São Paulo, ministrou um minicurso sobre as obras do cineasta e ressaltou a crescente falta de interesse pelo assunto na Europa. De acordo com o pesquisador, não se fala mais de Bergman em países como França e Inglaterra, pelo menos não como se fala no Brasil e em outros países da América Latina. Sendo que, foram países como o Uruguai, Argentina e Brasil, os primeiros a reverenciarem o trabalho de Bergman em textos e críticas, publicados no inicio da década de 1950.

Tendo contabilizado em sua filmografia mais de 50 filmes, Bergman tem como marca registrada, a característica de explorar em seus trabalhos diferentes aspectos das relações humanas. Dentre os seus temas principais se encontram: questões familiares, amor e casamento, a busca pelo autoconhecimento (ou por si mesmo) e a morte.

Seus filmes, sobretudo, os feitos em preto e branco revelavam uma sensibilidade profunda com a estética. Os efeitos de luz e sombra, muito utilizados por ele, traziam para essas obras uma beleza única, ao passo que os filmes “em cor”, também apresentavam por meio das escolhas do diretor, forte simbologia e significado. Juntamente com uma marcante trilha sonora e, sobretudo, o silêncio – característico da linguagem de Bergman – que demarcam os momentos de tensão e a densidade emocional e psicológica de seus personagens, no âmago de suas angústias e sofrimentos. Silêncio também caracterizado, por muitos estudiosos, como algo contemplativo e semelhante ao que poderíamos chamar de “a voz de Deus”, ou a “presença de Deus”. São elementos que nos envolvem e nos conduzem a uma atmosfera que, por vezes, incomoda, mas que também nos causa certa identificação.

Primeiramente, é importante ressaltar que, a obra de Bergman é composta por filmes que precisam ser vistos mais de uma vez, e que de forma alguma, são de fácil entendimento. Todos os seus trabalhos são compostos por imagens de muitos significados, sobretudo semióticos, compostos por cenas, cenários e situações repletas de notável simbologia, o que também contribuiu para que seus trabalhos se tornassem objeto de pesquisa por muitos estudiosos dessa área. Imagens de muitos significados, pouco sentido, e muitos sentidos.

Ingmar Bergman sempre foi considerado por muitos estudiosos, como um cineasta que desenvolvia seu trabalho “diante do espelho”. De fato, o diretor tinha a tendência de trazer para os seus filmes, o que existe de mais profundo nas inquietações humanas, bem como, as que ele próprio sentia. Além disso, o espelho foi um elemento muito usado pelo diretor em seus filmes, tendo ele, um sentido simbólico ou uma finalidade meramente estética. O espelho, por si só, pode significar muitas coisas, podendo ter a função de revelar ou de esclarecer, mas também o de enganar ou subjetivar a realidade. Nada é o que parece nos filmes de Bergman, pelo menos não até que o filme acabe.

Assistir um filme do diretor é como estar dentro dos próprios personagens, e compartilhar dos seus medos, frustações, alegrias e devaneios. Nesse ponto, a subjetividade traz ainda mais veracidade para a obra, simplesmente por retratar o caos interior que existe dentro de todos nós, sentimentos de difícil leitura e pouco entendimento, até mesmo por quem a sofre. Ao passo que, para entender verdadeiramente seus filmes, é preciso, acima de tudo, “assistir com os olhos de dentro”

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Em “Persona”, filme de 1966, escrito e dirigido pelo cineasta, por exemplo, somos apresentados as personagens Alma e Elizabeth. Alma é uma enfermeira designada para cuidar da atriz Elizabeth Vogler, que após surtar em uma de suas apresentações da peça Electra (Sófocles), se isola dos outros e se recusa a falar. Dentre o silêncio de uma e o monólogo da outra, somos introduzidos aos mais profundos sentimentos desses personagens, e entre confissões e momentos de introspecção somos guiados aos desdobramentos dos reais acontecimentos, motivos e desfecho da história.

Dentro da trama, observamos o tempo todo, uma inversão de papéis. Nos confundimos com a concepção de quem cuida e de quem é cuidado, nos colocamos a pensar no real sentido do silêncio presente no filme e nas palavras que são ditas, e principalmente, passamos a questionar o que de fato é real e o que é imaginário. Assim como, as máscaras que, inevitavelmente usamos para encobrir o nosso “eu” real, diante dos olhares e expectativas do resto do mundo, e de certa forma, de nós mesmos.

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Nesse caso, o desafio da atriz é claro. Diante de tantos papéis que já interpretou e vidas que pôde assumir, a atriz se vê em cima do palco na companhia de si própria. Não existem histórias inventadas. Apesar de todas as tentativas de sublimar a verdade, no fim, existe apenas o homem diante do espelho, e não há papel mais desafiador do que esse.

Outro elemento utilizado por Bergman, e em especial nesse filme, é a chamada “quebra da quarta parede”, o que nos permite compartilhar do silêncio da protagonista – independentemente do que ele signifique – a partir do momento em que sentimos que ela se dirige diretamente para nós. Nos perdemos e nos confundimos tentando descobrir, o que, de fato, ela quer nos dizer. O olhar que “grita” para quem está do outro lado da câmera, aquilo que os lábios, muitas vezes, não conseguem pronunciar.

Em suma, a linguagem poética, extremamente imagética e pouco convencional dos filmes de Bergman, fez com que o cineasta passasse a ser considerado e entendido como um dos grandes mestres do cinema e de fato, ao longo de sua carreira, não faltaram trabalhos repletos de sensibilidade e originalidade, em todos os mais amplos sentidos, e que serviram de inspiração para muitos outros cineastas que vieram depois. O diretor e roteirista sueco Ingmar Bergman faleceu em julho de 2007, mas deixou uma inquestionável herança para aqueles que amam o seu trabalho, e principalmente, para os que seguem os caminhos da sétima arte.

Por Priscila Gonçalves, graduanda e integrante do grupo “Comunicação, Cidade e Memória”.

Publicado por Comcime

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