O “Binômio”: um jornal alternativo nas Minas Gerais

Em 17 de fevereiro de 1952 a primeira edição do jornal “Binômio” circulou pela cidade de Belo Horizonte. O periódico foi fundado por dois jovens jornalistas: José Maria Rabêlo, com 23, e Euro Arantes, com 24 anos. O desejo dos jornalistas era escrever um jornal diferente dos tradicionais, no qual eles poderiam divulgar assuntos e notícias que usualmente não poderiam ser publicadas em outros meios de comunicação, de maneira humorística. Queriam produzir um impresso que pudesse chocar e escandalizar o leitor e fosse contra o conservadorismo.  No livro “Binômio – Edição história”, Râbelo conta que os dois eram “dois jornalistas com muitas ideias na cabeça e praticamente nenhum dinheiro no bolso” (RABELO, 1997, p.15). Assim, um jornal alternativo surgiu nas montanhas de Minas Gerais!

A primeira edição do jornal foi financiada pela bancada da UDN da Assembleia Legislativa, que desejava ver uma publicação oposicionista em circulação. O segundo número foi financiado pela metade da bancada, e o terceiro com a contribuição do deputado Mílton Sales. A partir daí o jornal deve que obter seus próprios recursos para colocar o “Binômio” em circulação.

Com tiragem inicial de 2 mil exemplares, e depois 2 reimpressões, a primeira edição teve um total distribuído de 6 mil jornais na rua. A periodicidade do “Binômio” era de 21 em 21 dias e buscava deixar claro que era um jornal independente, ao garantir no seu editorial do primeiro número ter 90% de independência e um por cento de ligações suspeitas (BOTELHO, 2000).

O jornal pode ser dividido em três fases, de acordo com suas características principais. Na primeira fase, de 1952 a 1955, o jornal era intitulado de “Binômio: Sombra e Água fresca”, e traduzia uma linha oposicionista e de humor político que o jornal buscava adotar. O “Binômio” trazia características que também seriam marcantes em outras publicações alternativas durante a ditadura militar: humor, irreverência, ironia, combate à força política dominante.   O nome surgiu como uma provocação ao plano “Binômio: Energia e Transporte”, lançado na década de 1950 pelo então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck.

Juscelino tinha lançado seu programa de governo, baseado no que chamou de Binômio Energia e Transportes, que acabaria sendo apenas Binômio e como ficaria popular em todo o estado, graças a uma propaganda milionária como nunca se vira em Minas Gerais. Era Binômio pra cá, Binômio pra lá, nas rádios, nos jornais, nas ruas, em toda parte. Então nos pensamos: contra esse binômio da propaganda e da mentira, vamos criar um Binômio da verdade, sobre e água Fresca. (RABELO, 1997, p.15).

A segunda fase é a fase panfletária, de 1955 a 1959, quando começou a ser chamado de “Binômio – O Jornal da Semana, a maior tiragem da imprensa mineira”. A terceira fase foi a que possui maior pressuposto ideológico, de 1960 a 1964, quando manteve o nome da fase anterior, “Binômio – O Jornal da Semana”, mas sem o slogan. Entre a fase humorística e a panfletária houve um pequeno período de transição, durante o qual o jornal se chamou “Binômio – Crítica e Humorismo”. (BOTELHO, 2000). Nos seus 12 anos de publicação, o “Binômio” chegou a uma tiragem de 60 mil exemplares, com alcance além de Minas Gerais.  Imprimiu 508 números nas publicações de Belo Horizonte, além de 293 números de Juiz de Fora, totalizando 15 mil páginas.

 DSC07819 - Cópia
DSC07820

O Binômio em Juiz de Fora

A primeira edição da Sucursal do “Binômio” em Juiz de Fora circulou em 1º de setembro de 1958. Foi precedida de divulgação nas rádios e jornais, além de faixas que cobriam todo o centro e as principais ruas da cidade. Essa primeira edição vendeu sete mil exemplares na hora. O “Binômio” buscava com a sucursal influenciar mais a Zona da Mata mineira, a partir de notícias principalmente sobre política e denúncias.

O jornal era composto por 16 páginas. Dez páginas eram da edição geral, compostas por matérias embasadas de assuntos estaduais, nacionais e internacionais, colunas e reportagens. Essa páginas eram retiradas da publicação de Belo Horizonte. As outras seis páginas eram notícias locais de Juiz de Fora, que substituíam as matérias locais de Belo Horizonte.

O fechamento do jornal acontecia na madrugada de quinta para sexta. Um dos representantes de Juiz de Fora levava para Belo Horizonte as páginas que seriam encartadas ao jornal e, da capital, o jornal seguia para o Rio de Janeiro, onde era composto e impresso, e depois retornavam a Juiz de Fora.

O primeiro exemplar do jornal trazia em sua capa uma foto da cidade e ao lado o título “Progresso chegou em Minas pela rota de Juiz de Fora”. Râbelo descreve o que definia o editorial:

Não somos um suplemento ou uma edição especial de Belo Horizonte, mas sim um novo jornal, embora estejamos identificando pelos mesmo princípios; não nos vendemos pelo dinheiro do poderosos; chamaremos a todos pelos seus nomes, sejam pobres ou ricos; mas não ficaremos apenas nas críticas. Apoiaremos todas as iniciativas que beneficiem a cidade e seu povo. (RÂBELO, 1997, p.228)

Entre as reportagens que podemos encontrar neste número, estão: “Governo deixa 10 mil crianças sem aula em Juiz de Fora”, “JF: Polícia virou enfeite (pela falta de homens e de recursos)”, “Repúdio a Santiago Dantas (candidato a deputado Federal do PTB): testa-de-ferro de Rockfeller, foi contra a posse de Vargas”.  Para Râbelo, “Este conjunto de matérias dava ao leitor uma prévia do que seria o jornal, vivo, borbulhante, tão diferente da imprensa tímida e bajulatória existente na época” (RÂBELO, 1997, p. 228).

Râbelo destaca três momentos críticos que o jornal passou por ocasião de suas reportagens: As disputas com o comandante da IV região militar, o general Américo Braga, “um brotossauro de refinadíssima linhagem, prepotente e autoritário, que pretendia mandar na cidade” (RÂBELLO, 1997, p. 227); as disputas com o grupo de industriais do setor de malharia, que haviam sido denunciados pelo “Binômio” por sonegação de impostos; e em fevereiro de 1964, o comício das reformas, realizado no centro da cidade com a ocupação das tropas do Exército e a participação do governador de Pernambuco, Miguel de Arrais.

O “Binômio” se orgulhava de ter trago algo novo a Juiz de Fora. O jornal não estava em sua fase humorística e buscava no chamado “jornalismo sério” e nas grandes reportagens o diferencial na cidade, como comenta o chefe de redação, Fernando Zerlottinni:

Achei o jornal que me mostraram uma temeridade, pelo tom da linguagem, os títulos violentos, nada a ver com os jornalzinhos que estavam circulando ali. O semanário nos ensinou o que era lead, grande novidade da época lançada no Rio, pelo Jornal do Brasil. De maneira que a primeira reocupação seria formar uma equipe o mais desvinculada possível dos jornais que se faziam na praça.  (ZERLOTTINI, 1997, p.232)

Ivanir Yasbeck também destaca esse diferencial ao contar suas experiências iniciais como jornalista no Binômio. Ivanir começou como fotógrafo ao ser convidado por Fernando Gabeira para acompanhá-lo em uma apuração de reportagem, e logo se tornou repórter, como conta:

O Zerlottini me encomenda: “Você vai ser repórter agora, você vai na casa do doutor fulano de tal, e as perguntas para serem respondidas são essas. Faz primeiro essa, anota tudo que depois a gente encerra. Depois essa, essa, essa.” Eu fiz isso, levei para ele “É, está legal. Você apurou bem”. Ele mesmo sentou na máquina e escreveu. Foi minha primeira reportagem. Não lembro o nome ou a propósito de que. Eu lembro que era um negócio de distribuição de aguas na cidade, já se falava nessa represa Chapéu D´Uvas, e era a propósito disso, mais do que isso não me lembro de mais nada. E nem desse engenheiro, qual a função dele, dissertar sobre isso. Bem, eu já sabia fotografar e já sabia produção de reportagem, ali ele: “Agora você vai apurar outra reportagem e vai começar a escrever” E aí que vem aqueles macetes. “Responda essas perguntas: quando, onde, como, porque, etc. Responda isso claramente e sempre usando, não necessariamente pela ordem rigorosa, mas usando esses artifícios que podem te levar a fazer um texto diferente”. Eu vi que a coisa não era tão complicada e eu me revelei. Quer dizer, podia ser complicado para outros, mas eu me revelei. Tanto me revelei que eu fui contratado. (YASBECK, 2015)

A sede da sucursal se localizava em três salas do Clube Juiz de Fora, na esquina da Rua Halfeld com a Av. Rio Branco, no centro da cidade. Os profissionais que ali trabalhavam eram jovens estudantes, intelectuais, professores, jornalistas e críticos. Em seus sete anos de vida, a sucursal do “Binômio” foi o local de trabalho de José Carlos de Lery Guimarães, com as colunas “JC Comenta” e “Informa” e escrevendo reportagens; Fernando Zerlottini, chefe de redação; Amir Oliveira, com a coluna “Em grifo”; Fernando Gabeira, como repórter; Geraldo Mayrink, com a coluna de cinema; Fernando Cortes Muzzi, que foi gerente comercial e exerceu outros cargos; o  fotógrafo, e mais tarde jornalista, Ivanir Yasbeck; Juan Ramon Conde; José Pedro de Oliveira; George Norman Jutiva; Décio Cataldi; Almir de Oliveira;  José Geraldo Amino e Paulo Sérgio Simões.

Segundo depoimento de Ivanir Yasbeck, a tiragem do “Binômio” era pequena: “Vinham uns 300 exemplares para cá, e não vendiam nem 100. A verdade é essa.” (YASBECK. 2015).  Mas o que é muito destacado no jornal é sua qualidade jornalística. Observando os depoimentos presentes no livro “Binômio: edição histórica”, é notável a ideia de todos dos profissionais que participaram do periódico que ele foi sinal de inovação e progresso para o jornalismo juiz-forano. O lead e a forma de escrever inovadora são algumas características acentuadas pelos jornalistas:

Foi o aparecimento do novo, da imprensa não provinciana, não comprometida com o status quo, moderna, arejada, inovadora.

Nosso jornalismo foi avançado, sério na apuração e na opinião, objetivo no texto, insinuante, criativo, responsável, talvez inimaginável em uma cidade provinciana.” (MUZZI, 1997, p.236)

Além do impresso, o jornal também anunciava notícias pelo rádio.  Em março de 1961, o Binômio estreou um programa semanal na Rádio Industrial, o “Binômio no ar”. Em março de 1964 o Binômio circulou pela última vez na cidade, assim como em Belo Horizonte. Os militares tomaram o poder e como o jornal era crítico e contestador, acabou sendo fechado.

Por Susana Reis

(Graduanda em Jornalismo pela UFJF, bolsista de iniciação científica e membro do grupo Comunicação, Cidade e Memória)

Referências

BOTELHO, Nicolina Maria Arantes.  Sociedade, linguagem e jornalismo: o humor do “Binômio” nos anos 50 e 60. Dissertação de mestrado. 200. Universidade Federal de Viçosa. 130 págs.

MUZZI, Fernando. Binômio: edição histórica – o jornal que virou Minas de cabeça para baixo. Grupo Editorial Barlavento, 1997 – 262 páginas.

RÂBELO, José Maria. Binômio: edição histórica  – o jornal que virou Minas de cabeça para baixo. Grupo Editorial Barlavento, 1997 – 262 páginas.

ZERLOTTINI, Fernando. Binômio: edição histórica – o jornal que virou Minas de cabeça para baixo. Grupo Editorial Barlavento, 1997 – 262 páginas.

YASBECK, Ivanir. Entrevista concedida a autora em 27 de agosto de 2015

 

 

Publicado por Comcime

A proposta do blog Comunicação, Cidade, Memória é a de romper as barreiras do mundo acadêmico e aliar ao grupo novas cabeças pensantes, como também dar visibilidade às questões trabalhadas nas reuniões dos projetos de pesquisa e extensão, para que toda a vitalidade dessas discussões possa ultrapassar os limites do espaço e do tempo, e chegar a mais pessoas.

Deixe um comentário